20 de jul. de 2010

Três pensamentos

No meio da papelada não consigo encontrar o rascunho. Tenho a certeza de que está em algum lugar por aqui. Na cozinha, na cozinha. Não. Acho que olhei os desenhos enquanto tomava café em frente à tevê. Às vezes parece que estou sob o efeito de barbitúricos. Não consigo organizar minha memória recente de maneira inteligível. Preciso relacionar uma lembrança a outra continuamente. Tenho certeza que deixei por aqui. Fui até o quarto depois do café e lembrei de Joana ao olhar para o quadro na parede. Ao lembrar de Joana pensei também em Carina automaticamente e me interessei pelo seu desconhecido paradeiro. Preciso usá-lo como exemplo na aula de hoje. O toque do telefone dispara três vezes e quase escorrego no tapete ao correr para atender. Carlos não entende minha aflição, mas confesso que não demonstrei o quanto o sumiço do desenho me preocupa.

Carina sumiu, assim como meu desenho. Ah, pode ter caído atrás da penteadeira. O quadro foi presente de Joana. Ou melhor, compramos juntos há uns três anos atrás. Eu estava de blusa de lã cinza e ela usava uma jaqueta jeans sobre cashmere vinho. Provavelmente discutimos sobre qual moldura acompanharia melhor a gravura. Em sua jaqueta ela usava alguns broches de bandas dos anos oitenta. Eu odiava isso. E deveria ter dito antes, não apenas quando brigamos definitivamente. Soou como uma agressão despropositada. Com Carina aconteceu o mesmo. Sempre que penso em uma, a outra me vem à lembrança automaticamente.

O desenho evaporou. Tento achá-lo dentro do armário, mas ele sumiu. Fico até um pouco enjoado só em pensar nos dias que precederam o sumiço de Carina. Tentava me alimentar, mas tudo tinha o mesmo gosto. Era como se eu estivesse sob um efeito de barbitúrico que me fizesse sentir gosto de madeira em qualquer coisa que levasse à boca. Pelo menos produzi muito naqueles dias. Na cozinha? Não, eu já estive lá... Foram três dias sem sentir o gosto de nada. Nem o café descia direito. Ajeito o tapete que está desarrumado e volto ao quarto. Foi aqui que tudo acabou. Em cima dessa cama.

Não consigo organizar os pensamentos de forma inteligível.

O telefone toca, e Carlos me diz que achou minha pasta na sala de aula. E o rascunho está dentro. Claro! Deixei lá para não correr o risco de esquecer... Mas no que é que eu estava pensando?

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